A orquestra de cordas no romantismo brasileiro

A edição desta semana de Concertos UFRJ reprisa o programa, que foi ao ar fevereiro do  ano passado, dedicado ao CD “A orquestra de cordas no romantismo brasileiro”. Iniciativa da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o album resgata obras, muitas delas até então inéditas, escritas em um dos períodos mais férteis de nossa cultura. Sob a regência de seu diretor artístico, Lutero Rodrigues, a Orquestra Acadêmica daquela instituição executa 13 peças de criadores emblemáticos de nossa trajetória musical.

 

Lutero Rodrigues da Silva é professor da Unesp. Fez doutorado na USP, defendendo a tese “Carlos Gomes: um tema em questão”, que acaba, aliás, de ser publicada.  Nela o pesquisador mostra como Mário de Andrade, um dos principais escritores do modernismo brasileiro, encontrou na obra do compositor um vasto material para pesquisa e crítica, e como nossos modernistas a usaram, não raro com certo viés preconceituoso, como um dos elementos de difusão do movimento. Membro da Academia Brasileira de Música, Rodrigues é um dos mais ativos regentes brasileiros da atualidade.

podcast

Ouça aqui o programa: 

Toda segunda-feira, às 22h, tem "Concertos UFRJ" na Roquette Pinto FM. Sintonize 94,1 ou acompanhe pela internet!

Programas anteriores podem ser encontrados na seção Concertos UFRJ.

 

Distribuído gratuitamente, os interessados em receber o CD devem encaminhar solicitação para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. Os exemplares disponíveis serão enviados para os internautas cadastrados. A distribuição é limitada.


Repertório

 

A primeira obra apresentada no programa é resultado de uma curiosa parceria entre o compositor José Pedro de Sant’Ana Gomes e seu famoso irmão, Antônio Carlos Gomes (1836-1896). Intitulada “Saudade” toma como base uma melodia de Sant’Ana que foi, mais tarde, arranjada para orquestra de cordas pelo nosso grande operista.

 

Outro compositor paulista contemplado no CD, Alexandre Levy (1864-1892), deixou, infelizmente, um repertório pequeno, poe causa de uma morte prematura. Porém, apesar de ter vivido apenas 28 anos, escreveu obras de fôlego como uma Sinfonia em mi menor e o Poema Sinfônico Werther, além de várias peças para piano. Sua “Rêverie” foi originalmente composta para quarteto em 1889 e denuncia a influência de Mendelssohn e Schumann.

 

Outro compositor que faz parte do repertório do CD é Henrique Oswald (1852-1931), um dos mais importantes de sua geração. Nasceu do Rio de Janeiro, filho de pai suíço e mãe de origem italiana, e passou a maior parte da vida na cidade de Florença, Itália, para onde viajou em 1868, quando contava com apenas dezesseis anos. Retornou ao Brasil no início do séc. XX para se tornar diretor do Instituto Nacional de Música (INM), atual Escola de Música da UFRJ. A obra de Oswald revela um compositor de grande domínio técnico e inspiração refinada que abordou diferentes gêneros, desde miniaturas para piano solo até grandes óperas. As duas obras do compositor gravadas podem ser enquadradas como peças características: a “Romanza”, de 1898, e “Valse”, cuja data não foi ainda precisada.

 

O cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920), também diretor do INM, é outro compositor recordado. Sua formação se deu predominantemente na Europa, tendo deixado obras que frequentam com assiduidade as nossas salas. O seu “Adágio”, foi escrito em Berlim, em 1891. A estreia, porém, só aconteceu no ano seguinte e no Rio de Janeiro, em concerto dirigido por Leopoldo Miguez.

 

A obra de Francisco Braga (1868-1945), autor do Hino à Bandeira, é ainda pouco conhecida. Menino de origem humilde, mercê de seu talento ganhou uma bolsa de estudos no Conservatório de Paris. De volta ao Brasil se tornou um disputado professor de composição e regente de várias orquestras. Sua obra é bastante eclética e sua técnica apurada permitiu abordar diferentes gêneros e linguagens. O CD destaca a gavota “Marionettes” (1892), escrita para piano e transcrita pelo próprio autor para orquestra de cordas; o madrigal “Pavana”, de 1901; e as danças, “Minuetto” e “Gavota”, da música incidental para a peça “O contratador de diamantes”, do escritor Afonso Arinos.

 

Por fim, o programa veicula as quatro peças do compositor Leopoldo Miguez (1850-1902), outro músico que foi também diretor do INM. Escreveu duas séries de pequenas peças de caráter infantil para piano e intituladas “Cenas Pitorescas”, op. 37 e 38. Posteriormente transcritas para orquestra de cordas pelo próprio autor, ganharam o nome de “Esboços”. Da primeira série o CD resgata “Pierrot” e a canção “Saudade”, da segunda a valsa “Tetéia” e o scherzo “Folguedo”.

Concertos UFRJ, programa radiofônico resultado de um convênio da UFRJ com a Roquette Pinto, vai ao ar toda segunda-feira, às 22h, na sintonia 94.1 FM. Apresentado por André Cardoso, regente titular da OSUFRJ, as edições podem ser acompanhadas on line ou por meio do podcast (áudio sob demanda) da Roquette Pinto (FM 94,1).

 

Contatos através do endereço eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

 

 

 

cdunesp

 

Direção Artística: Lutero Rodrigues

Regente Assistente: Felipe Faglioni

 

Violinos

Ivenise Nitchepurenco, spalla

Gabriel Redivo Chiari

Guilherme Marcolino Ribeiro

Michele Shieh

Sérgio Senda *

Rosineia Siqueira de Sena

Diego Muniz Costa

Allan Olimpio Galote Dantas

 

Violas

Gisely Batista

Levi Fernando ?Lopes Vieira Pinto

Violoncelos

Rogério Shieh **

Alfredo Santos

 

Contrabaixo

Gabriel Garabini Sakamoto *

 

* chefe de naipe

**chefe de naipe e solo de violoncelo em "Saudade" de Carlos Gomes

 

Arquivo e Montagem

Edson de Toledo Piza Filho

 

Arte e Mídia

Camila Cardoso Poszar

 

Digitalização

Carlos Henrique Cascarelli Iafelice

 

Produção

Gustavo Brognara

 

Projeto Gráfico - Identidade Visual

Carolina Daffara

 

Assessores

Profa. Dra. Loriza Lacerda de Almeida

Oscar K. Kogiso

 

Apresentação do CD


O período romântico redescobriu a orquestra de cordas e os compositores brasileiros acompanharam essa tendência, sob influência da Europa. Como esta formação instrumental não era comum no Brasil, vários optaram pelo quarteto ou quinteto de cordas, criando obras que hoje são executadas por orquestras de cordas, tais como Alexandre Levy e Carlos Gomes, por exemplo. Essas obras, geralmente, são peças curtas, lentas e expressivas, ou pequenas formas antigas, como danças, com proposta neoclássica, tendência da época, ou então transcrições de “peças características” que se destinavam originalmente ao piano, gênero muito próprio do romantismo. São obras que não costumam apresentar preocupação nacionalista.

 

Há alguns anos, a pesquisadora Lenita W. Nogueira nos deu as partes cavas de algumas obras de Sant’Anna Gomes (1834-1908), incluindo o quinteto de cordas Saudade. Segundo ela, o manuscrito da obra encontra-se no Museu Carlos Gomes e traz uma dedicatória a Carlos Gomes (1836-1896), sugerindo a autoria de seu irmão.  Pouco depois, o musicólogo Arnaldo Senise nos ofertou um conjunto de partes cavas da mesma obra, que havia encontrado no arquivo de Luiz Levy, assinadas pelo copista Azarias Dias de Mello, músico que atuou em Campinas à época dos compositores. Uma inscrição, encontrada em todas as partes, indica a dupla autoria da obra: “Saudade/ Melodia do Mº Sant’Anna Gomes/ Quinteto arranjado por Antonio Carlos Gomes/ Milano, Março de 1882”.

 

Recentemente, Lenita nos enviou uma edição da época, publicada em São Paulo, da melodia original de Sant’Anna Gomes, que possui o mesmo título e também é dedicada ao irmão. Trata-se de uma “redução para piano”, realizada por Emilio Giorgetti. Ali estão a melodia inicial e o trecho em ré menor, mas a partitura permite a comparação entre as diferentes versões, tornando evidente a contribuição de Carlos Gomes que muito enriqueceu a obra: introduziu contra-cantos, novas seções com contrastes de caráter e até novos elementos melódicos.

 

O livro Antonio Carlos Gomes: Il Guarany, de Gaspare Nello Vetro, informa sobre execuções de um quinteto de cordas do autor, denominado Souvenir, na cidade de Trento, em 1883 e1884. O escritor supõe que a obra poderia ser uma versão prematura do célebre quinteto conhecido como O Burrico de Pau, de 1894. Cremos ser mais provável tratar-se do quinteto Saudade, título que, em francês, teria similaridade com a palavra Souvenir.

 

Rêverie, de Alexandre Levy (1864-1892), pianista e compositor paulista que se destacava na modesta vida musical de São Paulo de sua época, foi composta originalmente para quarteto de cordas, em outubro de 1889, quase dois anos após Levy retornar de Paris, onde estudou alguns meses. À época, foi considerada uma obra “no gênero Schumann – Reinecke”, compositores que reconhecidamente o influenciaram.

 

Entre nossos compositores, Henrique Oswald (1852-1931) foi aquele que viveu mais tempo na Europa: partiu aos dezesseis anos e somente retornou, definitivamente, aos sessenta anos, embora tenha estado diversos períodos no Brasil. Durante cerca de vinte anos foi pensionista do governo brasileiro. Tornou-se muito respeitado como camerista, deixando-nos, talvez, a produção de melhor qualidade, neste gênero, entre todos os seus contemporâneos.  Romanza, composta em 1898, e Valse, cujo ano de composição não conseguimos definir, são exemplos expressivos de sua rica produção.

 

O Adagio, do compositor cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920), já nasceu destinado à orquestra de cordas. Foi composto em Berlin, em 1891, onde o seu autor estudava sob a orientação de Herzogenberg, professor célebre e amigo de Brahms. O título original da obra, em alemão, era Erinnerung (Lembrança) e também teve execução posterior, com título em francês, Souvenir. Sua estreia ocorreu no Instituto Nacional de Música, Rio de Janeiro, sob a regência de Leopoldo Miguez, em abril de 1892.

 

Francisco Braga (1868-1945), carioca de origem muito humilde, tornou-se conhecido pelo episódio que viveu no concurso de composição do hino oficial do novo regime republicano, em 1890. Seu hino, hoje o nosso Hino à Bandeira, obteve o segundo prêmio, embora fosse o preferido do público, dando-lhe o direito de estudar na França, com bolsa do governo brasileiro. Foi admitido com destaque no Conservatório de Paris onde foi discípulo de Jules Massenet. Neste período compôs a gavota Marionettes (1892), para orquestra de cordas, obra que foi editada naquele país, uma prova consistente de seu domínio do estilo musical francês. Após dez anos de proveitoso estudo na Europa, onde compôs dezenas de obras, incluindo a ópera Jupyra, retornou ao Brasil, em 1900, dedicando-se também a uma bem sucedida carreira de regente.

 

No Rio de Janeiro, em 1901, compôs Madrigal Pavana, para orquestra de cordas, obra que ressalta seu dom de melodista.  Em 1905, Braga iniciou a composição da música do melodrama O contratador de diamantes, de Afonso Arinos, para coro e orquestra sinfônica, concluída no ano seguinte. A obra possui duas danças, Minuetto e Gavota, que utilizam somente uma orquestra de cordas que deveria tocar no palco. Nestas pequenas obras, mais uma vez, Braga demonstra seu domínio das formas antigas, certamente adquirido na Europa. A obra foi estreada em São Paulo, em 1908, sob a regência do autor, mas foi em 1919 que mobilizou a alta sociedade paulistana, num grande espetáculo de riquíssima montagem, em memória de Afonso Arinos, morto em 1916. A repercussão foi enorme, inclusive porque, entre os figurantes, havia “pretos de verdade”. Braga regeu a orquestra do fosso, enquanto Francisco Mignone, com trajes de época e peruca, regeu a orquestra do palco.

 

O compositor e violinista Leopoldo Miguez (1850-1902) era carioca e foi Diretor do Instituto Nacional de Música, nos primeiros anos da República. Passou toda sua juventude em Portugal e Espanha, retornando ao Brasil aos vinte e um anos. Mais tarde voltou à Europa para continuar seus estudos musicais, tornando-se um notório admirador de Wagner.  Entre suas últimas obras, há duas séries de Scenas Pitorescas, op. 37 e 38, para orquestra de cordas, cada uma contendo seis peças. Pierrot e a canção Saudade pertencem à primeira série; a valsa Tetéia e o scherzo Folguedo, à segunda. Todas elas possuem versões anteriores para piano.

 

As obras de Francisco Braga e Leopoldo Miguez, que foram gravadas neste CD, integram o Acervo de Manuscritos da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ. Elas foram editadas por André Cardoso, com editoração de Thiago Sias, e revisadas por nós. A Romanza, de Henrique Oswald, foi também editada por André Cardoso e publicada na Revista Brasileira de Música.

 

Lutero Rodrigues

Diretor Artístico da Orquestra Acadêmica da Unesp